“Continuamos construindo como os antigos egípcios.” Esta frase soa estranha, especialmente diante da revolução tecnológica em curso, com temas como inteligência artificial e realidade virtual se tornando cada vez mais presentes. Ainda assim, a indústria AEC (Arquitetura, Engenharia e Construção) permanece em grande parte estagnada, sem avanços significativos que alterem sua trajetória improdutiva.
A construção, que representa 6% do PIB mundial, continua sofrendo com altos custos de improdutividade. Comparada a setores como a Agricultura, Manufatura e Serviços, a indústria da construção quase não melhorou em termos de produtividade, registrando um crescimento médio de apenas 1% ao ano nas últimas duas décadas.
Para ilustrar, entre 1995 e 2014, um trabalhador da manufatura passou a agregar 2,6 vezes mais valor ao seu trabalho do que um da construção. Enquanto a manufatura evolui constantemente com inovações tecnológicas, metodológicas e culturais, a construção civil vê avanços mais tímidos, limitados a novos materiais e técnicas, que ainda têm pouco impacto na otimização dos processos.
Evidentemente, a Indústria da Construção Civil não pode ser analisada como um grande bloco homogêneo, tendo sua realidade fragmentada pelos diversos nichos de serviços, diferenças culturais entre países, e até mesmo pela intervenção do estado nas iniciativas voltadas à construção, uma vez que é frequentemente utilizada como canal para iniciativas econômico sociais.
Apesar de ser difícil traçar um perfil único para projetos associados à indústria da construção, é possível encontrar algumas semelhanças que reduzem o contexto a ser analisado. Se observarmos obras de médio e grande porte, conseguimos dividir o ciclo de vida destes empreendimentos em 4 grandes etapas:
A produtividade nas fases de Construção e Operação é afetada pelas dificuldades previamente mencionadas, muitas vezes ocorrendo em ambientes pouco controlados e dependendo de mão-de-obra com qualificação técnica limitada. Essa realidade contrasta com outras indústrias que passaram por revoluções significativas. As fases de Planejamento e Projeto, embora também impactadas por incertezas, ocorrem em ambientes controlados e com maior qualificação técnica. No entanto, historicamente, essas etapas enfrentam desafios de improdutividade devido à diversidade de agentes, plataformas e prazos, e até mesmo barreiras linguísticas.
Processos iterativos, como os de Planejamento e Projeto, dependem fortemente da comunicação eficaz e da clareza das informações para desenvolverem-se de maneira fluída e otimizada. No caso destes processos ocorrerem de forma independente, existe o risco de que o ônus decorrente de falhas no Planejamento e Projeto passe para a etapa de Construção, onde o custo associado a uma modificação nesta fase é maior do que nas etapas iniciais, onde a flexibilidade para promover alterações de projeto é superior, e os custos decorrentes destas alterações são menores.
Um exemplo ilustrativo seria imaginarmos que, ao executar as instalações de um empreendimento, a equipe responsável se depare com uma viga interferindo no projeto hidráulico. Quem será o responsável por esta modificação in loco, e qual o custo desta alteração em termos orçamentários e de prazo? Num primeiro momento, parece uma eventualidade em obra, porém, um estudo da CII (Construction Industry Institute) indica que de 7% a 10% dos custos de obras são relacionados a erros em projetos e poderiam ser evitados caso tivessem sido identificados anteriormente.
Indústrias mais avançadas em termos tecnológicos e processuais, como as indústrias de manufatura, já utilizam metodologias modernas para o Planejamento e desenvolvimento de Projetos, integrando estas fases com a execução e operação. Por sua vez, nas últimas décadas, a indústria da Construção vem sendo impactada por estes avanços em áreas vizinhas, trazendo novos conceitos como Lean Construction, AWP (Advanced Work Packaging) e BIM (Building Information Modeling). O quadro abaixo resume cada um destes conceitos.
Os conceitos de Lean Construction e AWP estão intimamente ligados ao Planejamento e à otimização de processos, mas é por meio da Metodologia BIM que observamos indícios da revolução tecnológica impactando efetivamente a realidade da Construção Civil. Embora não seja uma novidade, a metodologia, com origens em 1975 como Building Description System, passou por diversas fases, inicialmente, mais comum em Universidades e entre Desenvolvedores de Software, até ser consolidada como BIM (Modelagem da Informação de uma Construção), já inserido no universo da construção civil.
A definição de BIM varia em diferentes interpretações, sendo uma abordagem que vai além de um Modelo de Informações de uma Construção (Building Information Model). Chuck Eastman, considerado o pai do BIM, descreve a metodologia como “um modelo virtual preciso de uma edificação construído digitalmente e que, quando completo, contém a geometria exata e dados relevantes para suportar a construção, fabricação e o fornecimento de insumos.” Essa visão é compartilhada por vários autores, que veem o BIM como um artefato digital vivo, que representa uma construção, incorporando não apenas a representação geométrica, mas também todas as informações associadas a estes elementos construtivos.
Em termos gerais, o BIM pode ser interpretado como uma maquete virtual em escala real, abrangendo as geometrias da construção e informações não visíveis, como logística, orçamento e operação. Funciona como um amplo banco de dados propenso a análises e interpretações, oferecendo uma visão integrada que vai além da tradicional representação tridimensional, contribuindo para melhorias substanciais na produtividade da indústria da construção.
Elementos construtivos contém informações geométricas e não geométricas:
Ao contrário de um projeto desenvolvido com a metodologia CAD (Computer Aided Design), que usa linhas e formas geométricas para representar diferentes vistas de uma construção, o BIM enfoca o processo de projeto. Cada disciplina cria seu Modelo, que é compatibilizado em um ambiente virtual único, contendo informações tanto geométricas quanto não geométricas de cada elemento construtivo. Com as hierarquias pré-definidas, este modelo geral, chamado de modelo federado, permite mitigar a aparição de problemas que provavelmente só seriam identificados durante a execução da obra, gerando ônus para todos os envolvidos nos âmbitos financeiro e de prazo.
Além das diferenças tecnológicas, o BIM se destaca também no aspecto processual. Nos métodos tradicionais de projeto, prevalece o modelo sequencial linear, que frequentemente dá origem ao problema conhecido como “Over the Wall“. Esse termo descreve a prática de equipes ou disciplinas trabalharem isoladamente, gerando informações de forma autônoma e redundante, e apenas “jogando” suas entregas para a próxima etapa ou equipe, sem um alinhamento adequado. Esse fluxo fragmentado resulta em perda de dados, retrabalhos e aumento do risco de erros.
No BIM, esse problema é mitigado por sua abordagem integrada e colaborativa. Como um sistema centralizador, o BIM conecta equipes e disciplinas em um ambiente compartilhado, onde as informações são geradas, atualizadas e analisadas de maneira interdependente. Essa integração permite extrair dados consistentes e realizar análises em tempo real, eliminando gaps na comunicação e promovendo uma maior eficiência nos processos. Dessa forma, o BIM transforma o fluxo de trabalho, passando de um modelo linear e compartimentado para um ciclo dinâmico e interligado, essencial para projetos mais eficazes e bem coordenados.
Método Tradicional onde as atividades de projeto são executadas de forma sequencial linear:
Método Baseado em BIM, onde as informações são centralizadas nos modelos e posteriormente utilizadas com variadas finalidades:
Para que estes outputs sejam possíveis, é necessário que os Usos de BIM aos quais os modelos serão submetidos sejam previamente definidos, trazendo a necessidade de reflexão sobre os objetivos do projeto mesmo antes de ocorrer a primeira atividade de modelagem.
Como principais Usos de BIM, podemos mencionar (utilize as setas para visualizar todos os itens):
O BIM, regido por premissas de padronização como a ISO 19650 ou a NBR 15965, no Brasil, permite colaboração entre disciplinas ao desenvolver projetos independentemente da plataforma usada, promovendo interoperabilidade e evitando tarefas redundantes. Ao analisarmos o volume de informações gerado durante o desenvolvimento dos projetos de todas as disciplinas de um grande empreendimento, é de se esperar que todas as premissas, tanto de padronização, quanto de processos e comunicação estejam bem alinhadas e comunicadas a todos os agentes do ciclo de vida desta construção. Isto acontece através do desenvolvimento de um Plano de Execução BIM (PEB), ou BIM Execution Plan (BEP), que é o manual de desenvolvimento BIM, preparado para uma obra específica, ou ainda, à nível organizacional, trazendo transparência às boas práticas da metodologia BIM em uma empresa.
Todas estas regras, premissas e conceitos trazem a necessidade de uma grande mudança cultural nas empresas, promovendo melhorias em 4 principais âmbitos da imagem abaixo:
Essas mudanças podem variar em magnitude, dependendo do nível de maturidade BIM de cada organização, pois a implementação do BIM exige que processos e agentes operem de forma interdependente e alinhados a objetivos claros. No entanto, essa integração nem sempre ocorre de maneira ordenada. Ainda assim, a adoção do BIM inevitavelmente desencadeia uma série de impactos positivos nas organizações. Entre eles estão a análise e documentação detalhada dos processos, o incentivo ao estudo e à melhoria contínua, o fortalecimento da cultura colaborativa e a aproximação entre diferentes setores da empresa, que passam a atuar de forma simbiótica e mais integrada.
A implementação do BIM em projetos de médio e grande porte centraliza as informações em ambientes virtuais compartilhados, o que facilita a comunicação rápida entre equipes e promove melhorias contínuas nos projetos. Ao longo do ciclo de vida do projeto, os dados gerados permitem ajustes de curto prazo e oferecem lições aprendidas que são valiosas para empreendimentos futuros. Com o uso de inteligência artificial, é possível automatizar atividades repetitivas, tanto no desenvolvimento e coordenação quanto na tomada de decisões focadas no planejamento e no caminho crítico das tarefas.
Nas fases de obra e operação, o BIM se destaca pela integração de tecnologias avançadas, como Realidade Virtual (RV), Realidade Aumentada (RA) e Gêmeos Digitais, que ampliam as possibilidades de planejamento, execução e gestão de edificações. A Realidade Virtual cria simulações imersivas de ambientes completos, permitindo que profissionais e clientes “caminhem” virtualmente pelo empreendimento antes mesmo do início da construção, avaliando detalhes e identificando ajustes necessários. Já a Realidade Aumentada sobrepõe elementos digitais ao ambiente real, permitindo visualizar estruturas projetadas diretamente no local da obra. Essas tecnologias ajudam a esclarecer dúvidas, aumentar a precisão na execução e reduzir erros, promovendo um nível de entendimento e colaboração inédito entre equipes e clientes.
Os Gêmeos Digitais, por sua vez, são réplicas virtuais detalhadas de ativos físicos, conectadas a dados em tempo real e combinadas com sensores IoT e sistemas de monitoramento. Eles permitem o acompanhamento contínuo do desempenho de edificações, a realização de simulações e a previsão de falhas, sendo especialmente úteis na fase de Operação e Manutenção.
Essa abordagem otimiza recursos, prolonga a vida útil dos ativos e melhora a eficiência operacional, transformando o BIM em uma ferramenta ainda mais poderosa para a gestão inteligente de empreendimentos complexos. Juntas, essas tecnologias não apenas ampliam as capacidades do BIM, mas também redefinem a forma como projetamos, construímos e mantemos edificações.
Ao analisar os principais benefícios da utilização do BIM para a produtividade, é importante lembrar que esses ganhos podem variar conforme o segmento da empresa ou do projeto, o nível de maturidade BIM e as métricas aplicadas para avaliar o sucesso. De forma geral, os benefícios mais comuns do uso do BIM incluem:
- Otimização e centralização do processo de gerenciamento
- Fomento à comunicação e colaboração em projetos de grande porte
- Identificação precoce de erros e problemas
- Redução de retrabalho
- Redução de custos
- Melhoria da qualidade projetual
Embora o BIM possa inicialmente parecer burocrático, ele concentra esforços nas fases iniciais do ciclo de vida do empreendimento, onde a flexibilidade para mudanças é maior e os custos de modificação são menores. Alterações críticas, como a localização de um pilar estrutural, causam menos impacto quando realizadas no início do projeto do que durante a construção. Esse conceito é ilustrado no gráfico de Patrick McLeamy, que mostra como o BIM oferece mais flexibilidade e menor custo de alterações em comparação às metodologias tradicionais.
Segundo pesquisa do CIFE (Center for Integrated Facilities Engineering) na universidade de Stanford, levando em consideração 32 projetos, a utilização da metodologia BIM resultou em:
A utilização do BIM é um dos principais caminhos para a industrialização da construção, contribuindo para aumento da produtividade que a indústria AEC tanto necessita. É dessa forma que poderemos enxergar as construções como um conjunto de processos baseados em métodos científicos, deixando de lado abordagens empíricas e pouco rentáveis.[
O BIM traz maior confiabilidade às informações e valoriza todas as ações envolvidas durante o ciclo de vida de um empreendimento, reduzindo o tempo gasto em atividades redundantes que resultam em erros e gastos desnecessários. Embora o BIM não atue, necessariamente, nas atividades-fim no canteiro de obras, ele ajuda a identificar riscos, mitigar erros que seriam extremamente onerosos em prazo e recursos e auxilia na identificação de oportunidades de melhoria de projetos e processos, de forma colaborativa e ordenada.
Estamos vivenciando uma revolução tecnológica, e os desafios imediatos para adequar as operações ao processo de digitalização devem ser vistos como investimentos pelas organizações. É fundamental que as altas gestões alinhem os objetivos da implementação do BIM às expectativas de resultados, evitando frustrações que poderiam colocar as mudanças trazidas por tecnologias modernas em risco.
Para que o BIM seja efetivamente adotado pelas organizações, ele precisa oferecer uma experiência de uso atrativa e envolvente. Quando as ferramentas BIM são intuitivas e facilitam o trabalho colaborativo de maneira dinâmica, os profissionais se sentem mais incentivados a interagir com a plataforma e explorar suas funcionalidades. Um ambiente BIM que proporciona uma experiência positiva contribui para reduzir a curva de aprendizado, aumenta a adesão das equipes e minimiza a resistência a mudanças. Essa abordagem facilita a integração do BIM na rotina organizacional e garante que a metodologia seja aplicada de forma eficaz, promovendo resultados consistentes e duradouros.